quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O amor não cabe em um papel.


  Ele levanta da cama e olha as horas na tela do computador, sua única companhia a semas. Já passa das seis e diferentemente de todos os dias ele se arruma para trabalhar. Frente ao espelho se sente feliz por enfim ter encontrado um emprego mas sabe que vender meias e gravatas não vai levá-lo muito longe. Enquanto toma seu leite feio e sem gosto tenta ver o lado positivo, conhecerá gente nova e claro terá dinheiro para viver como um digno jovem maior e quase independente. Escova os dentes, sai, anda pelas ruas de seus bairro ainda pouco movimentado, chega ao ponto, espera alguns minutos, o ônibus chega e ele embarca.
   Ela olha atentamente para o homem que acaba de entrar, percebe que ele parece perdido e sorri para ele num sinal de permissão para que se sente ao seu lado. Ela olha para a janela assim que ele se senta. O dia será quente pelo sol que se vê. Ela coloca os fones no ouvido e percebe que ele copia seu gesto, olha para o visor do aparelho que ele tira do bolso mas não consegue matar sua curiosidade. Ele ri ao perceber a intenção da garota e vê ali uma chance de puxar papo. Pergunta o que ela gosta de ouvir, ela se assusta, tira os fones e responde que ouve o que agrada seus ouvidos. Ele não gosta muito do tom da resposta, mas fica encantado com o olhar da garota. Não diz mais nada por medo de outra má resposta, apenas olha fixamente para o rosto dela, que agora começa a ficar rosado aparentemente por vergonha. Ela se da conta que é hora de desembarcar e pede a ele que a deixe passar. Ela desce e entra em uma pequena porta que pelo letreiro é um estúdio fotográfico. Três quadras dali ele também desembarca e começa seu primeiro dia de trabalho com os olhos verde  musgo da garota do ônibus na cabeça.  
   O segundo dia ocorre da mesma forma, mas agora a garota não sorri para dar a permissão, o banco já se encontra ocupado por um senhor de uns 60 anos, do qual ela tem raiva agora. O garoto prefere então não se sentar e sem medo algum a olha, a encara, ela percebe mas não sente medo, sente apenas uma incontrolável vontade de retribuir o olhar e é tudo o que ele quer.
    Terceiro dia, é hora de saber nome, endereço ou telefone ele pensa, e sem medo pergunta. Iza, ela diz seu nome mas não pergunta o dele, resolve perguntar algo mais interessante como: '' o que você gosta de ouvir? '', os dois riem e ele responde que gosta de ouvir coisas boas, bem feitas, com boas letras, e boas melodias, mas que prefere ver ao invés de ouvir, ver estórias bonitas de amor, ver o sol, a lua, e olhos como os dela. O papo acaba ali, ela fica estremecida com as palavras, a voz e o jeito incomum encantador dele.
    Um mês, agora ela é Iza fotógrafa profissional de festas e books, tem 20 anos, gosta do que faz, mas quer expandir seu trabalho. Ele é Miguel, vende artigos masculinos numa pequena loja, tem 22 anos, escreve, desenha, toca, nunca teve um namoro duradouro e sonha com um futuro tranquilo.
    Dois meses, ela não vem mais, a algumas semanas não aparece no ônibus e ele vai para o trabalho triste desde então, visivelmente triste. Ele tem desenhado os olhos dela, mas nunca se aproxima da perfeição real.
    Sete da manhã, ele olha na tela do computador, sempre ligado, Miguel se desespera, se arruma com menos de cinco minutos e vai para o ponto tentar pegar algum ônibus, seu emprego está em risco. Ele senta o tempo  passa, um carro popular preto de vidros escuros se aproxima, para em frente a ele, o vidro desce, é Iza. Dessa vez ela sorri permitindo a entrada dele. Ela o explica que seu carro esteve no mecânico durante esses dois meses e por isso pegava o ônibus. Eles conversam como todos os dias, porém com maior liberdade, riem e se olham a todo o momento. A carona acaba e ele segue a pé. Miguel decide pegar a mesma carona no dia seguinte, decide chamá-la pra sair, e assim faz. 
   A noite corre perfeita, seus corpos juntos se encaixam lindamente, seu cabelo cheira a erva doce, seus dedos marcados pelas cordas a fazem rir quando passam por seus pés.
   Dois anos se passam na vida dos dois, agora Miguel não vende meias mais, não pega ônibus nem carona, Iza não tira fotos de debutantes e bebês, agora moram juntos, se amam e trabalham juntos numa escola que montaram onde ensinam música, fotografia e desenho e eu estou tentando explicar pra eles que essa história toda que eles viveram e que Miguel descreveu com palavras não cabe no convite de casamento!

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